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9 de junho de 2013

Como é que se Esquece Alguém que se Ama?



“Como é que se esquece alguém que se ama?
Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver?
Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar?
Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?
As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar. 
Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. 
Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. 
Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. 

A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguém antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar.
É preciso aceitar esta mágoa esta moínha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si, isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução.
Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha. Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado.

O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.”

 Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume'


(Obrigada C., pela partilha. Adorei!)
 

5 tretices:

Princesa sem Reino disse...

Simplesmente, adoro MEC!!! Já devorei o último livro dele! Obrigada pela partilha deste texto! Um grande beijinho

Magui disse...

Gosto!

M.P. disse...

Adoro!!

P disse...

uau. encontrei este texto apos acabar com a minha namorada a 10 de Junho, um dia depois deste post!

Achei as palavras muita sabias, e eu quero recordar o tempo que passei com ternura e afecto e nao quero de maneira nenhuma sentir-me amargurado, pois apesar de ter sido pouco tempo, foi incrivel e nao me arrependo de nada.

Contudo doi. Doi muito. Este texto ajudou-me. Doi menos agora, mas ainda doi. Nao sei ainda se se esquece para sempre, mesmo quando se acaba de lembrar, mas espero que doa menos e consiga seguir em frente sem estar sempre a pensar nela.

Porque como diz o Miguel, nao ha cura, nem explicacao, 'as vezes nem sequer ha' agulha...!

Abraco, e boa sorte.

raquel disse...

@P

P. espero que realmente a dor vá desvanecendo.
Doi, sem dúvida que doi. Mas passa!
Importa ir tentando que passe a seu tempo, e sem pressa.

Um beijinho e boa sorte*

Quem passa por cá